A discussão sobre se o Brasil vive um “parlamentarismo desorganizado” é um tema recorrente e ganha força em momentos de tensão entre os Poderes, como a atual crise entre o Executivo e o Legislativo. A expressão, utilizada por analistas políticos, refere-se a um modelo híbrido e informal de governança, onde o Congresso Nacional exerce um poder de fato muito superior ao que a Constituição formalmente prevê para um sistema presidencialista, mas sem a estrutura de responsabilidade e a organização de um parlamentarismo clássico.
O Conceito de “Parlamentarismo Desorganizado”
No sistema presidencialista, como o brasileiro, o presidente da República é chefe de Estado e de governo, eleito diretamente pela população e com mandato fixo. No parlamentarismo, o chefe de governo (primeiro-ministro) é escolhido pelo parlamento e depende de sua confiança para governar.
O “parlamentarismo desorganizado” no Brasil sugere que:
- Poder Fático do Congresso: O Legislativo, especialmente a Câmara dos Deputados, acumulou um poder significativo, utilizando ferramentas como as emendas parlamentares (em especial as impositivas) e o poder de derrubar vetos presidenciais para pautar a agenda e influenciar a execução do Orçamento.
- Ausência de Responsabilidade Formal: Diferente de um sistema parlamentarista, onde o governo pode cair por um voto de desconfiança do parlamento, no Brasil não há um mecanismo formal de responsabilização do governo perante o Congresso que leve à queda do presidente (salvo o impeachment por crime de responsabilidade, que é uma medida excepcional). Isso cria uma situação onde o Congresso tem grande poder de “travar” o governo, mas não a responsabilidade direta pela governança.
- Negociação Constante: A governabilidade se dá por meio de uma negociação exaustiva e contínua entre Executivo e Legislativo, onde o presidente precisa construir maiorias pontuais para cada votação importante, muitas vezes cedendo espaço em troca de apoio. Isso foi visto, por exemplo, na recente disputa pelo IOF, onde o “drible” do governo ao acionar o STF não convenceu o Congresso, que cobrou diálogo.
- Judicialização Crescente: Diante dos impasses e da falta de mecanismos claros de resolução política, a judicialização de conflitos entre os Poderes (como o governo buscando o STF para manter o controle do Orçamento) se torna uma rota frequente, o que o ex-ministro Nelson Jobim já classificou como uma “radicalização” do governo ao atacar o Congresso.
Os Argumentos para a Tese
Diversos fatores contribuem para a tese do “parlamentarismo desorganizado”:
- Poder Orçamentário do Legislativo: A partir da Constituição de 1988 e, mais recentemente, com a impositividade das emendas, o Congresso ganhou um poder considerável sobre o Orçamento, limitando a capacidade de o Executivo gerir as finanças públicas e implementar suas prioridades.
- Fragmentação Partidária: A alta fragmentação partidária no Brasil impede que um presidente eleito tenha uma base sólida e coesa no Congresso, forçando-o a negociar com dezenas de partidos, muitos deles focados em interesses regionais ou corporativos.
- Coalizões “Informais”: As coalizões de governo são frequentemente informais, baseadas em trocas de cargos e emendas, e não em uma aliança programática sólida. Isso fragiliza a base governista.
Impactos na Governança
Esse modelo tem impactos diretos na governança:
- Instabilidade e Dificuldade de Reformas: A necessidade de negociação constante e a fragilidade das maiorias dificultam a aprovação de reformas estruturais e trazem instabilidade à agenda do governo.
- Aumento da Judicialização: Conflitos políticos acabam sendo levados ao STF, que se torna um árbitro constante das disputas entre os Poderes.
- Custos da Governança: O sistema exige um alto custo de articulação política, muitas vezes via distribuição de cargos e emendas, o que pode gerar distorções e críticas.
A discussão sobre o “parlamentarismo desorganizado” levanta um questionamento fundamental sobre a eficácia do atual sistema político brasileiro e a necessidade de reformas que busquem maior equilíbrio e clareza nas relações entre os Poderes.