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Desabafo do goleiro Cássio expõe desafio da inclusão de alunos com TEA em MG

Somente após três meses do início do ano letivo na rede municipal de Belo Horizonte, foi que Maria Beatriz Araújo, de 7 anos, diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e paralisia cerebral, teve o seu primeiro dia de aula. A criança estava impossibilitada de frequentar a escola devido à ausência do auxiliar de apoio ao educando (AAE). O profissional, responsável pelo acompanhamento pedagógico, só foi disponibilizado para ela depois de uma reportagem de O TEMPO. O caso de Maria Beatriz se assemelha ao relato do goleiro Cássio, do Cruzeiro, que, na última semana, denunciou dificuldade para matricular a filha após escolas recusarem a presença da auxiliar terapêutica (AT), que a acompanha desde os dois anos. “Quando a dificuldade é recorrente, é porque a inclusão está somente no discurso”, afirma a profissional de marketing Brisa Araújo, 30, mãe de Maria Beatriz.

De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), para garantir que estudantes com TEA tenham acesso pleno ao currículo e condições de igualdade no aprendizado, as instituições de ensino são obrigadas a disponibilizar profissionais de apoio escolar, sejam elas da rede pública ou particular. No caso das escolas privadas, o texto determina que a prestação desse serviço não deve gerar cobrança de valores adicionais — seja em mensalidades, matrículas ou anuidades. “Um dos pilares da lei é a oferta de apoio conforme as necessidades específicas de cada aluno. Elas precisam garantir essa condição de acesso e permanência seja por meio da presença de professor, auxiliar de apoio ou auxiliar terapêutico”, afirma a advogada Michelly Siqueira, membro da Comissão Nacional de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência do Conselho Federal da OAB. 

Conforme a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), a rede municipal conta com 4.700 auxiliares de apoio ao educando para atender 6.071 estudantes com TEA. Na rede estadual, são 23 mil profissionais para aproximadamente 30 mil alunos. A rede privada, por sua vez, não soube informar o número de estudantes com TEA nem a quantidade desses profissionais. “A dificuldade que tive com minha filha na rede municipal foi a mesma que enfrentamos na escola estadual. Sei de outras crianças e pais que passam pelo mesmo problema. No meu caso, foi resolvido e minha filha tem um ótimo acompanhamento. Hoje, acredito que a situação é ainda mais complicada para quem precisa do auxílio terapêutico”, aponta Brisa.

O papel de cada profissional

O auxiliar de apoio ao educando (AAE), demanda da filha da profissional de marketing Brisa Araújo, atua com foco na adaptação curricular e no suporte pedagógico. Já o auxiliar terapêutico (AT), citado no desabafo do goleiro Cássio, busca auxiliar nos desafios comportamentais e emocionais do estudante. Os AT’s estão previstos na Lei Berenice Piana (Lei nº 12.764/2012), que garante os direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Brasil. A lei estabelece que os AT podem atuar em “casos de comprovada necessidade”, mas não detalha suas funções. A nomenclatura, entretanto, não aparece na Lei Brasileira de Inclusão (LBI) — o que embasa as justificativas das redes de ensino quanto à ausência desses profissionais no ambiente escolar.

Questionada pela reportagem de O TEMPO sobre o número de auxiliares terapêuticos, a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte informou que não conta com esses auxiliares, sob a justificativa de que a “legislação nacional não prevê atendimento ou acompanhamento terapêutico em ambiente escolar”. A Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) não informou sobre a presença desses profissionais na rede, mas destacou que todos os estudantes são contemplados pelo Projeto Socioemocional e pelos Núcleos de Acolhimento Educacional (NAEs), formados por psicólogos e assistentes sociais.

“Na rede particular, a presença dos auxiliares terapêuticos (como no caso do goleiro Cássio) passa muitas vezes por um diálogo da escola com a família. Isso porque os responsáveis pelos alunos querem que o mesmo monitor que acompanha a criança diariamente esteja presente também na escola. E isso é mais um desafio para a inclusão: como colocar um profissional no ambiente escolar que não possui vínculo de trabalho com a instituição? O debate passa por essa dificuldade burocrática também”, aponta o superintendente e porta-voz do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino no Estado de Minas Gerais (Sinepe-MG), Paulo Leite.

Fragilidade da legislação

A discussão tornou-se ainda mais complexa depois de um decreto do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). A medida, de caráter orientativo, passou a permitir que famílias providenciem esses acompanhantes para filhos com deficiência, podendo atuar dentro das escolas. A medida, de caráter orientativo, gerou polêmica: grupos criticam que ela desloca do Estado a responsabilidade de fornecer esses profissionais, enquanto outros defendem que seria uma forma prática de auxiliar as famílias na inclusão das crianças.

Em Minas Gerais, um projeto de lei com o objetivo de assegurar às pessoas com TEA “o direito de ingresso e permanência de seu acompanhante terapêutico nas instituições de ensino públicas e privadas” chegou a tramitar na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O PL 558/2023, no entanto, foi arquivado no ano passado. 

“Esse impasse tem ocorrido justamente por causa da ausência desse regramento. A escola vai colocar um profissional sem vínculo formal? E como fica a questão dos custos se ela contrata alguém indicado pela família? É um impasse, e acredito que a falta de uma regulamentação tenha sido o motivo do problema com o goleiro Cássio”, avalia Siqueira.

O desabafo de Cássio

Na última semana, o goleiro Cássio desabafou nas redes sociais sobre a dificuldade que tem enfrentado para matricular a filha em escolas de Belo Horizonte. Maria Luiza, de sete anos, é diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA). “Tenho tentado matricular minha filha em diferentes escolas, mas a resposta quase sempre é a mesma: ela não é aceita”, disse o atleta em postagem no Instagram.

Segundo o jogador, Maria Luiza é acompanhada por um profissional especializado desde os dois anos, quando a família ainda residia na capital paulista. Ele se mudou para Belo Horizonte após deixar o Corinthians e passou a defender o Cruzeiro.De acordo com o goleiro, mesmo as escolas que se dizem inclusivas não autorizam a presença do acompanhante em sala de aula. 

“Como pai, ver sua filha rejeitada simplesmente por ser autista é algo que corta o coração. Inclusão não é só palavra bonita em propaganda, é atitude. E ainda estamos muito longe de viver isso de verdade”, afirmou.

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