O governo brasileiro definiu e está implementando uma estratégia com quatro frentes para reagir ao tarifaço imposto ao Brasil pelo governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. As informações foram apuradas com membros do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Essas frentes estão sendo desenvolvidas de maneira simultânea e contemplam ações de curto, médio e longo prazos. A partir de informações obtidas com membros do gestão federal, é possível compreender com mais clareza o escopo de cada uma dessas linhas de atuação.
Negociação
A primeira frente, considerada prioritária desde o início da crise comercial em abril, quando foi anunciada a primeira tarifa adicional de 10% sobre produtos brasileiros, é a da negociação direta com Washington.
O Brasil continua tentando abrir canais de diálogos com as autoridades dos EUA, mesmo diante das negativas e resistências do governo Trump. A intenção é, no mínimo, suavizar os impactos das medidas — por exemplo, com a retirada de mais setores da lista de produtos sobretaxados.
Nesta frente entram as conversas que estão sendo conduzidas pelo Itamaraty e pelos ministérios da Fazenda, Indústria e Comércio e Agricultura, além de contar com apoio do setor empresarial. Esse esforço está, como se sabe, sob coordenação do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).
O ministro Fernando Haddad anunciou, por exemplo, que terá uma reunião com o secretário do Tesouro, Scott Bessent, na semana que vem. O Planalto espera que a reunião possa começar a pavimentar um caminho para uma ampliação do diálogo entre os dois governos.
Neste momento, no entanto, Lula não deve nem tentar conversar com Trump. A avaliação do governo é que a motivação do americano para impor o tarifaço foi política, tentando favorecer o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e interferir na democracia brasileira. Com isso, um diálogo entre os dois líderes só aconteceria se Trump abrisse mão de tentar discutir as decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o ex-presidente brasileiro e sobre as chamadas big techs — o que não deve acontecer.
Mitigação
A segunda frente é a mitigação dos efeitos internos das tarifas. Desde a imposição da sobretaxa de 40% no início de julho, seguida da assinatura de uma ordem executiva que formalizou o novo regime tarifário, o governo passou a identificar os setores mais impactados pelas ações americanas.
O objetivo agora é buscar maneiras de amortecer as perdas.
Isso deve incluir medidas como incentivos à exportação para outros mercados, apoio financeiro emergencial, flexibilização de tributos internos e até a criação de estoques reguladores temporários para absorver produtos que perderam competitividade nos EUA. A lista já está com o presidente Lula, que começa a ser criticado por parte do empresariado pela demora em anunciar as medidas.
A avaliação de alguns integrantes do governo é a de que o tarifaço, embora grave, pode ser convertido em uma oportunidade para reequilibrar a estrutura de comércio exterior do país. Uma ideia aventada é a criação de novas linhas de financiamento para as exportações brasileiras — um tema que sofre muita resistência no Congresso e em alguns setores da economia.
Diversificação
A terceira frente é a tentativa de diversificar mercados e parceiros comerciais. Integrantes do governo ressaltam que isso vem sendo feito desde o início deste século, com a tentativa de reduzir a dependência do Brasil a poucos mercados.
Uma fonte do governo afirma que essa estratégia voltou com força durante este terceiro mandato de Lula, que visitou dezenas de países, promovendo agenda comercial.
Nesta lista o governo inclui os esforços para aprovar o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia e visitas para parceiros importantes, como o Japão, Vietnã, China — inclusive com uma visita de Estado do presidente Xi Jinping ao Brasil — e outros países do Brics.
Esse foi um dos pontos importantes da conversa telefônica entre o presidente Lula e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, na quinta-feira (7). O governo acredita que o comércio com a Índia pode ser muito ampliado nos próximos anos.
Lula também deve visitar, neste ano, a Indonésia e vai participar de uma reunião de cúpula da ASEAN (Associação dos Países do Sudeste Asiático), na Malásia.
Esses são mercados importantes, mas é preciso notar que o esforço de diversificação costuma tomar tempo. Por isso, interlocutores do Planalto dizem que essa frente não tem como objetivo imediato substituir os Estados Unidos como destino de exportações brasileiras, mas sim fortalecer a resiliência econômica do país frente a choques externos futuros.
Retaliação
A última frente é a eventual retaliação comercial, que, por ora, tem sido evitada.
No entanto, o governo já iniciou estudos técnicos para avaliar mecanismos de reciprocidade, caso as negociações com os Estados Unidos não avancem ou o presidente Trump decida tomar novas medidas contra o país.
Essa medida ainda está em fase preliminar e depende de avaliação jurídica detalhada, inclusive para garantir que eventuais sanções brasileiras não violem compromissos assumidos em acordos internacionais. De qualquer forma, o governo já tem o aval do Congresso para agir, a partir da aprovação da lei de reciprocidade comercial.
“Não se trata de revanche. É reciprocidade. Estamos analisando cuidadosamente em quais setores e produtos poderíamos responder com proporcionalidade, respeitando o princípio da legalidade internacional”, afirmou uma fonte do governo que vem acompanhando de perto as negociações.